O impacto das mídias digitais nas eleições municipais
O primeiro teste das urnas acabou e trouxe lições importantes sobre a relação entre o mundo virtual e a realidade, especialmente por meio dos influenciadores. Enquanto tivemos um influenciador digital como o vereador mais votado no Brasil, vimos também que apenas uma campanha na internet não é suficiente para garantir sucesso político, como demonstrado pela corrida pela prefeitura de São Paulo, em que o candidato mais polêmico não conseguiu avançar para o segundo turno. Ainda há uma distância entre a política e a mídia digital, apesar de ela estar se encurtando cada vez mais.
De fato, os influenciadores são conhecidos como os reis da oratória, mestres da persuasão. Eles vendem de tudo, desde jogos até ideias controversas, mas o principal produto é eles mesmos. Até aí, o influenciador não traz nada de novo: a sociedade capitalista sempre consumiu ideais e modelos de sucesso, êxito e riqueza. A diferença é que antes, isso estava, em regra, reservado a quem nascia em berço de ouro. As castas mais abastadas passavam o bastão de quem ditava moda e impunha seu estilo.
As redes sociais romperam essa bolha, elevando ao posto de celebridade pessoas que eram boas de conversa, mas que não tinham um centavo no bolso. Para entender esse processo que leva alguns anônimos ao status de ídolo da internet — ainda que eles não tenham feito nada além de exibir uma vida de luxo. Guilherme Felitti, jornalista e autor do podcast Tecnocracia, um dos melhores sobre tecnologia que eu conheço, compara o fenômeno da influência com o Baile da Ilha Fiscal, onde a corte portuguesa criava um cenário de glamour em meio à miséria que assolava a época. O nome do artigo é “A infernal vida em que todos precisam ser “influencers”. (1)
O que Guilherme nos contextualiza com essa história é que viver de aparências não é um fenômeno novo.
“Essa questão não é nova. Não nasce com a internet. Na década de 1920 e 1930, você já tinha o surgimento dos atores de Hollywood, que ajudavam a vender produtos. A diferença é que, naquele modelo de publicidade, o veículo não dependia apenas de assinaturas. Quando a internet surge, há uma descentralização dos polos de comunicação. No cinema e na TV, era difícil criar personagens influentes porque a comunicação era de ‘um para muitos’. Com a internet, você passa a ter uma comunicação de “n” para “n”, permitindo a criação de figuras que ganham dinheiro a partir da influência que exercem. Esse modelo escala de forma agressiva, e a noção de que você pode exercer influência sobre outros, a partir da sua casa, é o grande diferencial da internet até hoje.”
Até que ponto termos influenciadores ganhando eleições e se tornando políticos é mérito próprio? Até que ponto isso não é reflexo de um culto ao individualismo que, na verdade, esconde uma engrenagem por trás dessas grandes empresas de comunicação, como o Twitter?
Os influenciadores são um produto do que chamamos de capitalismo digital. Eles só existem porque o conteúdo que produzem gera lucro para as grandes empresas norte-americanas que dominam a internet — as chamadas redes sociais, buscadores e prestadores de serviço. Essas empresas conseguem capitalizar os conteúdos que têm mais apelo para o público, seja ele político, comercial, religioso ou o que for, programando seus sistemas para atrair conteúdos semelhantes e ainda mais provocativos.
Guilherme Felitti discorre sobre como essa engrenagem se retroalimenta na monetização que domina a internet.
“Uma peça fundamental é que as plataformas desenvolvem algoritmos para determinar quais são os conteúdos que terão maior alcance. E daí, os produtores de conteúdo que querem subir a montanha da influência digital começam a entender como o algoritmo funciona e a criar conteúdos que ele favoreça. Se o algoritmo prefere uma abordagem mais extrema, esses criadores tendem a seguir essa tendência… o que leva a uma radicalização, pois mais cliques geram mais visualizações.”
Por que é importante entender essa dinâmica em que mídia e política se confundem dentro dessa Economia da Atenção, cujo objetivo é manter você atrelado à rede social o maior tempo possível? Faz diferença questionar o sistema ao ouvir o que um novo vereador ou prefeito diz nas redes?
Já não se faz mais política à moda antiga, a portas fechadas, ao redor de uma mesa. As eleições mostraram que muitos políticos tradicionais foram reeleitos, isso é certo, mas também revelaram uma verdade nua e crua: a internet molda a política e é por ela moldada.
Por essa razão, por exemplo, o tom das campanhas em geral subiu vários decibéis, com muitos candidatos gerando conteúdo para viralizar nas redes, mesmo que a “mentira” custasse seu futuro político. Essa realidade pede uma atuação mais efetiva do governo para que as leis sejam aplicáveis também no ambiente digital, uma vez que a internet gera um impacto direto na vida real, como explica o jornalista Guilherme Felitti.
“Há uma resposta da sociedade às escolhas dos algoritmos. Essa briga recente com o Twitter é um exemplo claro. As plataformas de trabalho precarizado são reações aos vetores que vêm das plataformas. É difícil saber como agir, pois muitas empresas peitam o governo e não há uma regulamentação clara. O Brasil está tentando lidar com isso, mas as plataformas ainda ditam as regras de maneira silenciosa.”
Como funciona, na prática, essa correlação entre o mundo real e o virtual? Como a internet pode influenciar o modo como pensamos e vivemos?
Essa questão é intrigante e pode mudar sua postura em relação às redes sociais quando você entende como o jogo funciona. Perguntei ao Guilherme por que pessoas ficam em frente a uma prisão fazendo vigília para um influenciador preso, e a resposta foi: “Ora, porque elas são pagas para isso.” Às vezes, as respostas são mais simples do que pensamos, então é bom abandonar as teorias da conspiração. O que não é tão simples é quando a própria plataforma tenta impor teses e teorias, de maneira silenciosa e aparentemente neutra, como exemplifica o Guilherme Felitti.
“Basicamente, o algoritmo, principalmente o de auto-play, sempre analisava o que você estava assistindo e, em seguida, começava a sugerir vídeos semelhantes, mas sempre com alguns graus de radicalização. Se você estivesse num canal de geologia para entender por que a Terra é redonda e achatada nos polos, depois de um certo tempo, o YouTube sugeriria vídeos de teorias alternativas, como a Terra plana. Estudos mostram que, se deixasse no auto-play, você acabaria assistindo a vídeos de teorias da conspiração.”
E qual o problema nisso, se a plataforma está apenas sugerindo um conteúdo?
Há vários vícios ocultos nesse processo: 1) você não é informado que o algoritmo tem uma tendência de te mostrar conteúdos de violência ou radicais, ou com desinformação e notícias falsas; 2) você não tem acesso ao mecanismo por trás dessas escolhas; 3) esses vídeos são apresentados como verdade; 4) não há um filtro adequado para exibir conteúdos conforme a vulnerabilidade de cada pessoa; e 5) há sempre uma conotação comercial, mascarada por falsos interesses informativos.
Ou seja, a internet está lotada de lixo e conteúdo manipulativo, e você não é informado disso. Por isso, seja na política ou nas redes, precisamos cobrar que os novos influenciadores digitais sejam responsáveis, transparentes e comunicadores do interesse público — e não do lucro das big techs.
- https://manualdousuario.net/podcast/tecnocracia-83/
Você ainda pode enviar a sua sugestão de tema, crítica ou sugestão para o WhatsApp da Rádio Câmara (61) 99978-9080 ou para o e-mail papodefuturo@camara.leg.br.
Comentário – Beth Veloso
Apresentação – Mauro Ceccherini