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Papo de Futuro desta terça dia 30/07 as 06h30min destaca "Anonimato, responsabilidade civil e as ideias da Anatel para a regulação das mídias digitais".
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Publicado em 28/07/2024

O Estado brasileiro tem sido inerte na regulação das plataformas digitais. Quem lança a polêmica é o presidente da Anatel, a agência reguladora de telecomunicações, Carlos Baigorri. Baigorri tem sido visto com frequência nos corredores do Congresso, no corpo a corpo com os deputados. A bandeira dele: a internet não pode ser uma terra sem lei. E tem muito mais coisa nesta entrevista exclusiva.

Foram meses de trabalho para conseguir uma entrevista com Carlos Baigorri. Mas ela aconteceu, aproveitei o seminário sobre ecossistema digital e regulação das plataformas digitais.

O debate acontece num momento em que o Brasil está atrasado em relação a outros países no tema. A Europa, por exemplo, tem o Digital Social Act (1), que exige a remoção antecipada de conteúdo quando há risco à democracia ou à honra e dignidade das pessoas. Austrália (2) e Canadá (3) cobram das plataformas o compartilhamento da receita pelo uso do conteúdo jornalístico. Outros países cobram ações contra fake news e crimes digitais.

O primeiro mito que cai nesta entrevista é que a Anatel quer promover a censura no Brasil e controlar o que o cidadão fala na rede. O que é preciso é uma ação do Estado para corrigir a assimetria entre setores, diz Baigorri.

“A gente não defende que a Anatel controle o que o cidadão fala na rede social ou em qualquer outro lugar. Se o Congresso Nacional decidir criar um marco regulatório, que seja designado um agente para fazer valer a regra. Quando se trata da internet, defendemos que o agente do Estado mais preparado em termos de estrutura, pessoal, conhecimento e expertise, é a Anatel. Nós temos mais de 1.300 servidores de carreira, capacitados há mais de 25 anos em temas de tecnologia, conectividade, inteligência artificial e plataformas digitais. Somos a estrutura do Estado mais capacitada para lidar com esse desafio.”

Temos a votação do projeto de regulamentação da inteligência artificial no Senado, o PL 2338, de 2023 (4), pleiteando que a Agência Nacional de Proteção de Dados seja o órgão regulador. Como fica esse debate?

A Câmara montou um grupo de trabalho para discutir o projeto de lei das redes sociais, o PL 2630 (5). Outras propostas defendem um modelo de vários atores, incluindo o Comitê Gestor da Internet e a própria OAB, Ordem dos Advogados do Brasil (6) para regular as plataformas digitais. O mais importante é que regular não significa calar as pessoas ou controlar o conteúdo que elas postam. Para punir crimes como calúnia, difamação e fake news, já existem leis. A questão é agir preventivamente e impedir que as pessoas se escondam em pseudônimos e perfis falsos na rede.

Concordo com o presidente da Anatel que a proibição do anonimato é uma mudança chave no combate aos crimes digitais, incluindo contra crianças. Precisamos que todas as contas na internet sejam verificadas mediante apresentação de documento nacional válido (7).

Não parece, mais isso é possível. Veja a telefonia. Temos mais de 230 milhões de telefones móveis ativos (8), todos registrados. Não é possível comprar um chip de telefone sem apresentar um documento.

Assim como o PL 2630, o PL das redes sociais, também chamada de PL da transparência e da liberdade, já previa este debate, também é importante tratar da identificação da publicidade. O modelo defendido não é que o Estado cuide da internet, mas que haja uma regulação responsiva, responsabilizando as plataformas digitais se não atuarem proativamente para combater crimes, inclusive eventos como O “8 de Janeiro de 2023”, quando ocorreu a invasão da sede dos três poderes em Brasília.

Outra discussão fundamental é o uso da infraestrutura de redes. Assim como o conteúdo jornalístico, as plataformas utilizam esses recursos mas não contribuem diretamente para sua expansão e manutenção. O desenvolvimento econômico no Brasil depende de investimentos massivos em infraestrutura, especialmente para alcançar o “Brasil profundo”, como diz o presidente da Anatel, que ainda utiliza até mesmo orelhão.

Para isso, as plataformas teriam que contribuir para a ampliação da infraestrutura, pois, ao não fazê-lo, estariam praticando um uso predatório, sobrecarregando a rede sem dar nada em troca. O presidente da Anatel explica que essa discussão envolve a discussão principiológica da neutralidade da rede (9), que é um princípio do Marco Civil (10), mas que não como as empresas defendem, e sim sob a perspectiva de que a neutralidade deve estar a favor do povo brasileiro, e não contra:

“É uma discussão técnica sobre como garantir que um bem comum, que é a rede de comunicações, seja compartilhado por todos os usuários. Como é um bem compartilhado por todos, se houver um usuário que utiliza inadequadamente um bem de uso comum, ele prejudica todos os outros usuários. Nós estamos em uma sala, compartilhando este ambiente, e existe uma forma adequada de estar nesse ambiente. Eu não posso fumar aqui, mas se começar a fumar e acender um cigarro, estarei usando o ambiente de forma inadequada e gerando prejuízo. Então, é esse tipo de discussão técnica que queremos fazer.”

E as críticas de que a Anatel não é suficientemente dura com as teles, já que telecomunicações lidera o ranking de reclamações nos Procons?

A Anatel tem esse problema e foi acusada de ser capturada pelas teles. Esse arranhão na reputação da agência permanece, e o órgão regulador sabe que terá que mostrar eficiência para construir uma imagem de agência independente. Não é fácil em um país onde as agências são tidas como benevolentes com as empresas, como no setor de planos de saúde e até mesmo na aviação civil.

Porém, as agências são órgãos de Estado, e não de governo, e por isso elas foram feitas para serem isentas. Porém, Carlos Baigorri afirma que, além da fiscalização, é preciso corrigir as assimetrias regulatórias.

“O Estado brasileiro hoje regula as telecomunicações, mas não tem responsabilidade sobre as plataformas digitais. Precisamos refletir se essa abordagem deve ser mantida ou mudada, considerando as mudanças na internet desde 1998. A abordagem do Estado para essa economia não precisa necessariamente ser alterada, mas é importante que essa decisão seja consciente e não por inércia de algo que vem sendo construído desde o século passado e que mudou completamente. A internet mudou completamente de 1998 para 2024.”

E o debate na Comissão de Comunicação sobre o ecossistema digital (11) que ocorreu recentemente, sai alguma coisa daí?

Teremos novidades em breve, com discussões importantes sobre autenticação de contas, combate às fake news, vedação ao anonimato e responsabilização das plataformas por contas inautênticas ou falsas; proibição de propaganda enganosa. Essas mudanças são muito disruptivas e complicadas para este Parlamento, e requerem o compromisso da sociedade. Não vai ser da noite para o dia, mas vai acontecer, pois é inevitável. Assim como levou anos para construir leis sobre telecomunicações e massificar a banda larga, levará tempo para escrever uma lei que proteja todos. Se conseguimos criar o Código de Defesa do Consumidor, podemos fazer isso. É preciso paciência e insistir no debate para uma mudança cultural. Um dia chega.

Quem ganha é a sociedade.

Dê a sua opinião nas mídias digitais da Rádio Câmara e no Youtube da Câmara dos Deputados. Você também pode enviar a sua sugestão de tema, crítica ou sugestão para o WhatsApp da Rádio Câmara (61) 99978-9080 ou para o e-mail papodefuturo@camara.leg.br.

Comentário – Beth Veloso
Apresentação – Cláudio Ferreira

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