Estamos comemorando o centésimo episódio do Papo de Futuro! Ao longo das últimas 100 semanas, quase dois anos, testemunhamos uma transformação profunda na sociedade. O impacto da tecnologia foi avassalador, e nós estivemos aqui para refletir sobre essas mudanças.

 Em 2023, o lançamento do Google Gemini e do ChatGPT-4 marcou um novo capítulo na evolução da inteligência artificial. Desde então, mudanças significativas ocorreram em setores como educação, consumo, comunicação e até nos serviços de reconhecimento facial e de voz.

O Papo de Futuro sempre buscou acompanhar essas transformações e analisá-las em suas diversas dimensões. Para nós, a principal questão é: como transformar esses avanços em leis que protejam as pessoas? No entanto, a tecnologia avança a uma velocidade muito superior à capacidade de assimilação das políticas públicas. Desde 2010, o tráfego global da internet aumentou 20 vezes, e essa centralidade da rede em nossas vidas se tornou evidente, deslocando o debate sobre telefonia para segundo plano.

 Dos 100 programas que fizemos, eu arriscaria dizer que mais da metade trataram dos desafios e dilemas da internet. Podemos citar alguns temas marcantes: o poder dos influenciadores digitais, a relação dos adolescentes com as redes sociais, a superexposição de crianças pelos próprios pais, a vigilância digital e o fim da privacidade, a disseminação de fake news, o discurso de ódio e a violência online.

 Como pesquisadora em regulação da internet, minha grande preocupação é discutir os efeitos colaterais dessa revolução digital. A internet transformou a forma como nos comunicamos, consumimos, nos comportamos e até como pensamos. Moldou padrões, revelou culturas dominantes e nos dividiu em nichos de pensamento homogêneo, fenômeno conhecido como efeito bolha.

 Para discutir todas essas mudanças, adotamos duas estratégias principais: primeiro, trouxemos a literatura acadêmica e as teorias que explicam esses fenômenos. Discutimos a sociedade da vigilância, que impõe uma fiscalização constante sobre nossas vidas e identidades digitais. Também abordamos a construção de avatares digitais que manipulam nossas vontades e nos influenciam no consumo.

 Nossa preocupação também esteve voltada para os crimes digitais. O phishing, por exemplo, cresceu 30% no último ano e segue aumentando (1). Phishing é um tipo de golpe digital no qual criminosos se passam por entidades confiáveis (como bancos, empresas ou instituições governamentais) para enganar vítimas e roubar informações sensíveis, como senhas, dados bancários e números de cartão de crédito. Com a ajuda da IA, esses ataques se tornaram ainda mais sofisticados, imitando vozes e aparências de indivíduos reais. Além disso, surgiram plataformas phishing como serviço, permitindo que qualquer pessoa crie ataques cibernéticos sem conhecimento técnico.

 Outro grande tema abordado foi a plataformização e o impacto na soberania digital. As Big Techs, como Google e Meta, impõem padrões de comunicação globais que influenciam até o conteúdo ensinado nas escolas. Isso levanta o questionamento: seria essa uma nova forma de colonização cultural, que apaga nossas histórias e tradições?

 Um dos meus programas favoritos foi sobre telemarketing e o desafio de garantir a privacidade dos consumidores. Esse é um problema que me afeta diretamente, pois recebo ligações constantes, inclusive aos sábados. Essa invasão da privacidade se confunde com a falta de controle sobre nossos dados pessoais, que são usados sem consentimento para fins que desconhecemos, incluindo a perfilização comercial.

 Entre os autores que nos inspirou no Papo de Futuro, destaco Shoshana Zuboff, Evgeny Morozov, Christian Fuchs, Nick Srnicek, Jonathan Haidt e muitos outros que ajudaram a embasar nossas discussões.

Esses autores discutem o capitalismo de vigilância e dados e como as plataformas digitais monopolizam a economia e a informação. E Jonathan Haidt, que analisa o impacto das redes sociais na saúde mental, especialmente entre jovens (The Anxious Generation).

Já o programa com a juíza Vanessa Cavalieri, da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro e ativista pela proteção das crianças e adolescentes na internet, foi um dos mais impactantes! Discutimos a violência e o assédio contra crianças e adolescentes na internet. Plataformas de jogos, como o Discord, e redes sociais, como o Telegram, se tornaram ambientes perigosos, onde jovens são expostos a discursos de ódio, pornografia e até recrutamento para grupos extremistas. A juíza trouxe um alerta importante: crimes como cyberbullying e exposição de vídeos íntimos não podem ser minimizados como “brincadeiras de mau gosto”.

 Além disso, falamos sobre a necessidade de preparar escolas, famílias e políticas públicas para lidar com esses desafios. O Estado ainda não encontrou soluções eficazes para proteger crianças e adolescentes desse ambiente digital hostil.

 E qual o retorno que temos desse trabalho?

 Os temas que abordamos no Papo de Futuro são densos e nem sempre despertam grande interesse imediato. Mas nossa missão é provocar reflexões. Queremos que as pessoas compreendam a importância das políticas públicas para garantir direitos na era digital. A tecnologia avança, mas também traz retrocessos preocupantes, como a vigilância excessiva e a exploração comercial disfarçada de experiência digital personalizada.

 Muitos ignoram que crianças estão expostas a conteúdos violentos e a assédio na internet. A pornografia circula livremente na rede, e a falta de regulamentação adequada agrava esse cenário. Para mim, isso diminui e ofusca as conquistas que tivemos com a tecnologia.

 A internet deveria ser um espaço de liberdade e respeito, mas, sem limites e sem proteção, tornou-se um ambiente propício para a violência extrema, inclusive nos chats de jogos online. Essa realidade precisa ser enfrentada com responsabilidade.

 O Papo de Futuro continuará sendo um espaço de debate e reflexão sobre o impacto da tecnologia em nossas vidas. Seguiremos analisando as mudanças digitais, promovendo a educação digital e cobrando políticas públicas que protejam os cidadãos. Nosso objetivo é garantir que a inovação tecnológica caminhe lado a lado com a ética, a privacidade e os direitos fundamentais.

 Que venham os próximos 100 episódios!

• https://exame.com/bussola/6-tendencias-tecnologicas-que-vao-moldar-o-futuro-em-2025/

Você ainda pode enviar a sua sugestão de tema, crítica ou sugestão para o WhatsApp da Rádio Câmara (61) 99978-9080 ou para o e-mail papodefuturo@camara.leg.br.

Comentário – Beth Veloso
Apresentação – Ana Raquel Macedo