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Papo de Futuro desta terça dia 05/11 as 06h30min destaca "Plataformização da Educação e o ataque à soberania digital".
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Publicado em 03/11/2024

Estudo recente divulgado pelo Comitê Gestor da Internet (CGI) (1) discute as soluções para a plataformização da educação e as implicações para a soberania nacional. O Papo de Futuro de hoje explora como a computação em nuvem e o modelo de negócios das big techs têm dominado as ferramentas de ensino e se apropriado de informações de escolas e alunos, através da oferta gratuita de soluções como e-mails e plataformas de videoconferência. Como essa dependência crescente de empresas estrangeiras impacta a educação no Brasil? Quem responde é Beth Veloso.

A plataformização da educação é o uso crescente de plataformas digitais, como Google Classroom, Microsoft Teams ou até mesmo redes sociais, para organizar, ensinar e avaliar o aprendizado dos estudantes. Não envolve só as plataformas usadas em sala de aula, mas também serviços de email e armazenamento digital. Hoje, muitas universidades são altamente dependentes de empresas como Google e Amazon para fornecer emails institucionais e armazenar documentos e arquivos de alunos e professores.

Essas plataformas facilitam muito a comunicação entre professores e alunos, a entrega de tarefas e o acesso a conteúdo. Parece ótimo, certo? E em muitos aspectos, é mesmo.

Por um lado, esses serviços são práticos e reduzem custos para as instituições. Por outro, ela coloca as universidades numa posição vulnerável: se essas empresas decidirem mudar as condições do serviço, cobrar mais ou até mesmo interromper o suporte, as universidades e seus usuários podem ficar sem alternativas rápidas. Além disso, estamos falando de uma enorme quantidade de dados acadêmicos e pessoais que fica sob o controle de corporações privadas, o que traz preocupações sobre privacidade e segurança.

Responsável por estudar políticas de internet no Brasil, o CGI lançou recentemente o terceiro estudo sobre plataformização da educação. Ele foi coordenado pelo professor da Unicamp, Rafael Evangelista, que nos explica o que foi feito.

“O estudo tem três partes: a primeira analisa o modelo de negócios para entender por que essas plataformas oferecem infraestrutura de graça; a segunda faz um mapeamento detalhado dos acordos e negociações envolvidos; e a terceira propõe alternativas, considerando exemplos internacionais para pensar uma nova estrutura educacional para o Brasil.”

 O controle dessas plataformas sobre os dados da educação não seriam uma ameaça para o Brasil?

 De fato, Cláudio, o país tem cada vez menos controle sobre esses dados e depende de empresas de fora para o acesso e a segurança deles, o que ameaça o que a academia chama de soberania digital.

Esse conceito se refere à ideia de que um país ou uma sociedade tem controle e autonomia sobre o que acontece no seu próprio ambiente digital. Isso inclui desde a proteção de dados pessoais dos cidadãos até a capacidade de desenvolver e gerenciar as próprias tecnologias e infraestruturas, como servidores, redes e softwares.

Segundo o estudo do CGI (2023), o controle de dados e tecnologias no espaço educacional é essencial para proteger a independência nacional e garantir uma educação que seja inclusiva, estruturante e passível de controle social.

 Na União Europeia, o projeto GAIA-X, liderado por França e Alemanha, representa um esforço para desenvolver uma infraestrutura de dados independente ao reunir provedores de nuvem locais, tema que foi muito discutido no Seminário Escola Conexão Mundo, em Salvador, do qual participei na semana passada.

Por outro lado, há outro risco de se adotar o uso de plataformas digitais como fonte principal para materiais didáticos, permitindo que o currículo seja alinhado às diretrizes dessas plataformas e até substituindo, em algumas atividades, o papel dos professores por chats de IA como o ChatGPT. Paraná e São Paulo são exemplo disso. Ao colocar a tecnologia à frente das práticas pedagógicas, corre-se o risco de desvalorizar o papel do professor e a autonomia da escola no processo de ensino.

A tecnologia é cada vez mais importante na escola também em razão do Ensino a Distância. Dados do Censo do Ensino Superior de 2019 (INEP, 2019) mostraram que a modalidade EaD representava 14,1% das matrículas. Dez anos depois, ainda antes da pandemia, o índice passou para 28,4%. (3)

Na Educação Básica, a adoção de plataformas digitais de aprendizagem disparou com a pandemia de Covid, como mostram os estudos desta série a partir dos dados da pesquisa TIC Educação 2020 (CETIC.BR|NIC.BR, 2021). Se em 2019 eram 28% das escolas que faziam uso desse recurso, em 2020 esse índice chegou a 80% em escolas estaduais, 42% nas municipais e 70% naquelas localizadas em área urbana.

O coordenador do estudo explica que essas plataformas como Google, Microsoft e Amazon não são neutras e tem seus interesses corporativos e comerciais.

“As plataformas não são intermediárias neutras. Embora possam parecer, elas estabelecem e conformam as relações, ocupando o lugar de atores que deveriam definir como essas interações devem ocorrer.”

 Diante dessa questão que Rafael trouxe, como você vê o papel do Estado e das instituições brasileiras em recuperar essa autonomia nas relações educacionais?

 O papel das plataformas hoje é central, mas elas não participam das discussões das políticas públicas no Brasil. Portanto, a presença delas é desproporcional à sua importância. Isso é o que chamamos de tecnossolucionismo, ou seja, há uma crença de que a tecnologia resolverá todos os problemas da educação e de outros setores estratégicos, mas esse imaginário sociotécnico construtivista, como sugere Geo Saura e outros autores (2), é um engano.

O que a educação precisa são soluções programáticas, que envolvam uma discussão sobre democracia, Estado e ideologia e que passem por novas relações em sala de aula, uma nova governança da educação, que leve em conta uma gestão democrática da escola que ocorra através de relações sociais que têm potencialidades pedagógicas, pois envolvem confrontos, conflitos, controvérsias e consensos, através do diálogo constante, sendo a escola um local privilegiado para a mediação de vínculos sociais e democráticos.

Rafael Evangelista alerta que, e por um lado, as tecnologias facilitam o acesso ao conhecimento; por outro, elas podem impor uma abordagem padronizada e superficial e precisam ter a sua presença na educação diminuída.

 “Precisamos analisar nossa capacidade de desenvolver tecnologias que sejam alternativas às big techs. O interesse dessas empresas é promover uma homogeneização com padrões tecnológicos que uniformizam produtos e as relações de dados entre as pessoas. No entanto, essas relações nem sempre atendem às necessidades de combate à desigualdade social em um país como o Brasil.”

 Como podemos tirar esses estudos do papel para fazer algo na prática?

 Para uma educação autônoma, o Brasil precisa desenvolver suas próprias plataformas e aplicativos, reduzindo, assim, a dependência de grandes empresas estrangeiras e proteger seus dados estratégicos, e investir em soluções locais e tecnologias. Só assim vamos recuperar a soberania digital.

A multiplicidade de avanços tecnológicos (software, aplicativos, plataformas digitais e uma infinidade de ferramentas tecnológicas baseadas em Big Data, inteligência artificial, realidade virtual, metaverso, etc.) é ótimo para o ensino, mas a questão é qual é a ideologia que está por trás desses sistemas e ferramentas que que se unificam e operam em conjunto para pensar, decidir, configurar e implementar as políticas educacionais que estão transformando os sistemas educacionais, diz o pesquisador Geo Saura (2).

 Você tem uma sugestão de tema ou uma crítica ao Papo de Futuro? Entre em contato conosco. Temos o whattsapp da Rádio Câmara – o número é (61) 99978-9080. É possível também usar o e mail papodefuturo@camara.leg.br.

(1) https://cgi.br/noticia/releases/no-terceiro-estudo-sobre-plataformizacao-da-educacao-cgi-br-discute-a-importancia-do-fortalecimento-da-soberania-digital/

(2) https://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/view/9573

(3) Dez anos depois, ainda antes da pandemia, o índice passou para 28,4%.

Comentário – Beth Veloso
Apresentação – Cláudio Ferreira

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