O Senado Federal aprovou em 10 de dezembro de 2024 o marco que regula a inteligência artificial. O texto aprovado é um substitutivo do senador Eduardo Gomes (SD-TO) que tem como base o PL 2.338/2023, projeto de lei apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco, presidente da Casa. O próximo passo é a votação na Câmara dos Deputados.
O marco regulatório da Inteligência Artificial promete transformar a maneira como a IA opera no Brasil, garantindo direitos, responsabilidades e transparência. É uma proposta robusta, inovadora e inédita no país, como destacou Laura Schertel, que foi relatora da comissão de juristas que apresentou o esboço do que foi aprovado na semana passada pelos senadores. Laura é Advogada, Diretora do Centro de Direito, Internet e sociedade do IDP (CEDIS/IDP) e professora da Universidade de Brasília (UnB).
“Ele traz um arcabouço geral de regulação, apresentando princípios, direitos, uma classificação de riscos e o entendimento de que os sistemas de maior risco precisam estar sujeitos a regras mais rígidas. Também propõe um sistema de supervisão e regulação, que chamamos de SIA. A gente só tira as normas do papel se houver fiscalização, e esses protagonistas são as agências, que em cada um dos setores poderão regular os mercados.”
A inteligência artificial está presente em nossas vidas de várias formas – desde os assistentes virtuais até sistemas automatizados que tomam decisões. Mas como garantir que essas inovações tragam benefícios para todos e respeitem os direitos fundamentais?
O projeto define tecnologias consideradas de alto risco, que terão uma regulação reforçada. São sistemas que podem causar danos às pessoas ou à sociedade. Classificação, além da definição de inclusões futuras, será feito pelo SIA, com participação social. São exemplo de alto risco: Seleção de estudantes; Recrutamento de vagas de emprego; Concessão de serviços públicos; Gestão da imigração; Avaliação de chamadas para serviços públicos essenciais; Veículos autônomos; Sistemas de identificação biométrica.
Como explica Laura Schertel, é essencial que cada etapa – da criação ao uso – seja guiada por responsabilidade.
A lei é o mecanismo para garantir que a IA não seja uma ameaça para a vida humana. Por isso, uma diretriz básica é que a IA deve ser guiada para a preservação da vida. E isso não é tão obvio quanto a gente imagina, pois nem toda a inovação é benéfica para a sociedade, como explica Laura Schertel.
“Quando a gente pensa numa inovação tecnológica, a primeira coisa que vem à cabeça é a pergunta: será que essa inovação vai trazer progresso e benefício para a sociedade imediatamente? A gente se lembra dos ganhadores do Nobel de Economia que publicaram o livro Poder e Progresso. Eles demonstram que nem sempre a inovação trouxe benefícios sociais ou para toda a sociedade. A razão de regular é garantir que a inovação possa beneficiar toda a sociedade, e não apenas uma parcela.”
E como separar sistemas de alto risco, que exigem maior fiscalização, daqueles de menor impacto. Quais os critérios que devem ser adotados para separar o que é aceitável do que pode representar um risco coletivo?
Um dos pilares da proposta aprovada no Senado é a valorização dos direitos fundamentais, abrangendo todas as empresas envolvidas no ciclo de vida da IA, como explica Laura Schertel:
“A prestação de contas, accountability, é uma questão essencial. Por um lado, o grande objetivo do PL é a proteção dos direitos fundamentais e da igualdade, para que não haja discriminação, garantindo a transparência sobre as bases em que as decisões automatizadas foram tomadas. Todas as empresas que fazem parte desse processo precisam entender, aplicar e mitigar os riscos. Para isso, é necessário compreender toda a cadeia e garantir a rastreabilidade das decisões, algo que deve ser assegurado pela regulação.”
Quem fará a supervisão da IA no Brasil será o Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), formado por: Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) (coordenadora); Outros órgãos do Poder Executivo; Conselho Permanente de Cooperação Regulatória de Inteligência Artificial (CRIA); Comitê de Especialistas e Cientistas de Inteligência Artificial (CECIA).
Afinal, como lembra Laura Schertel, todas as inovações geram impactos que precisam ser mensurados a priori.
E como fica então o capítulo de direitos autorais? Esse capítulo prevê a remuneração justa pela utilização de obras e dados para treinar sistemas de Inteligência Artificial, garantindo respeito aos criadores?
A proposta é baseada em direitos, mas focando nos riscos excessivos e proibições. Esses direitos são um contrapeso para o que realmente é importante para a sociedade hoje. Além da revisão das decisões por humanos, há também a remuneração do autor pelo uso do conteúdo que são criados por terceiros, conforme detalha Laura Schertel:
“A nossa proposta é baseada em direitos. Ela parte de uma modelagem baseada em risco, mas traz muitos direitos, alguns que não estão presentes na União Europeia, como a revisão humana, a explicabilidade e a transparência. Além disso, temos um capítulo dedicado aos direitos autorais. De fato, sabemos que várias das obras utilizadas são informações protegidas pelo direito do autor. É razoável que as pessoas que criaram esse conteúdo sejam remuneradas em razão do tratamento desses dados.”
Assim, conforme o texto aprovado, quando o conteúdo for protegido por IA, e for utilizado para treinamento e desenvolvimento de IA, será preciso remunerar os titulares da obra com base nos princípios de razoabilidade e proporcionalidade, levando em consideração o porte da empresa e o impacto da concorrência. A exceção é para uso científico ou com fins de pesquisa ou culturais, entre outros.
Outro aspecto central na proposta é a correção de vieses discriminatórios, que são comuns em sistemas de IA. O texto garante o direito à não discriminação e mecanismos para corrigir vieses involuntários que podem afetar grupos vulneráveis.
Além disso, limitações são impostas ao uso de tecnologias como reconhecimento facial, restringindo sua aplicação a casos excepcionais de investigação criminal.
Alexandre Arns Gonzalez, consultor da Coalizão Direitos na Rede, entidade que reúne mais de 50 organizações acadêmicas e da sociedade civil em torno do tema direitos digitais, considera que a aprovação do projeto foi uma vitória. Mas ele alerta que é preciso avançar. A Coalizão Direitos na Rede aponta como problema a remoção do dispositivo que previa a moderação de conteúdo das plataformas digitais, que tinha como objetivo aumentar a transparência no uso de algoritmos e IA pelas plataformas. Segundo o especialista, muitos dados não relevados sobre as redes sociais e o uso que elas fazem da inteligência artificial.
Também foi incluído um parágrafo que toda a regulação de “circulação de conteúdo online e que possam afetar a liberdade de expressão, inclusive o uso de IA para moderação e recomendação de conteúdo” será feita em outra lei. Outro ponto que o pesquisador destaca é a não obrigatoriedade de avaliação prévia dos modelos de IA, antes que sejam inseridos no mercado. Esse conteúdo também foi removido do projeto, ficando apenas a indicação de boas práticas. Também foi removida a proposta de considerar as redes sociais como sistemas de alto risco para infância.
Os destaques de 2024
Com o programa de hoje, encerramos mais uma temporada do Papo de Futuro. Em 2024, destacamos a importância da regulação da internet, evidenciada pela aprovação do projeto de Inteligência Artificial no Senado, que reforça a urgência global desse debate. A internet se consolidou não apenas como ferramenta de trabalho, mas também como fonte de renda e receita para grande parte da população brasileira. Os investimentos das operadoras de telecomunicações somaram R$ 7,6 bilhões só no primeiro trimestre do ano, de acordo com a Conexis Brasil Digital, com foco na expansão do 5G, o que representa um salto na conectividade e inovação. Contudo, desafios persistem em regiões remotas, como a Amazônia Legal, que ainda enfrentam barreiras de acesso à internet de qualidade. O Brasil também teve papel central na governança digital internacional ao assumir a presidência do G20, promovendo debates sobre inclusão digital, ética na Inteligência Artificial e a redução da desigualdade global no acesso à tecnologia.
Além dos avanços em infraestrutura, o setor de telecomunicações buscou caminhos mais sustentáveis, com investimentos em fontes de energia limpa para antenas e data centers, além de políticas de economia circular para o descarte de equipamentos. No campo econômico, o setor movimentou aproximadamente R$ 225,8 bilhões em 2024, registrando um crescimento de 8,4% em relação ao ano anterior e reforçando seu impacto no PIB nacional.
Apesar desse avanço, a desigualdade digital segue como um dos principais desafios, exigindo políticas públicas mais robustas e o uso eficiente de fundos como o Fust. A presidência do Brasil no P20 (Parlamento das 20 maiores economias do mundo) também foi um marco importante, consolidando discussões sobre o papel da regulação digital na proteção de direitos fundamentais e no combate a crimes cibernéticos. Além disso, vimos a intensificação do debate sobre privacidade e segurança digital, com o aumento de ataques cibernéticos e o papel das operadoras na proteção de dados e no cumprimento da LGPD.
Durante o ano de 2024, também abordamos temas essenciais como proteção da infância na internet, os desafios das empresas na era digital, fake news, soberania digital, apagão energético, responsabilidade civil e as novas demandas do Código de Defesa do Consumidor das telecomunicações!
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Comentário – Beth Veloso
Apresentação – Mauro Ceccherini