O ano de 2025 começa com, no mínimo, três grandes agendas regulatórias. A primeira é a da Anatel, focada nas telecomunicações, abordando melhorias na conectividade, fiscalização regulatória, interconexão e combate às fraudes no setor (1). Estão previstas consultas públicas para revisão do novo Plano Geral de Metas de Competitividade, das regras do Regulamento do Uso de Espectro (RUE) e do regulamento sobre os Deveres dos Usuários (2).
A segunda agenda trata da regulação da internet e está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), que analisa a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Esse artigo limita a responsabilidade civil dos provedores de aplicações de internet, como a Meta (dona do Instagram e do WhatsApp), podendo ser suspenso parcialmente. E também a retomada do debate aqui na Câmara dos Deputados, que foi alavancado pelo Projeto de lei da Liberdade, Responsabilidade e Transparência, PL 2630 de 2020, que visava combater a disseminação de conteúdos falsos.
A terceira agenda está na Câmara dos Deputados e envolve a votação do Projeto de Lei 2338/2023, que busca estabelecer princípios e regras para o uso de aplicações de inteligência artificial no Brasil. Paralelamente, há o debate sobre a moderação de conteúdo na internet. Janeiro já demonstrou a relevância desse tema, especialmente após o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, criticar indiretamente o Brasil e o STF por intervirem na regulação da internet, referindo-se à suspensão do Telegram no país por decisão judicial.
A nova política de moderação de conteúdo da Meta, anunciada com grande repercussão em janeiro, que agora se baseia apenas em denúncias de usuários, sem verificação por empresas de checagem de fatos, pode impulsionar a Câmara a retomar a discussão sobre a moderação de conteúdo na internet e até mesmo ampliar o debate sobre a regulação da rede.
A professora Caitlin Mulholland, diretora do Departamento de Direito da PUC-Rio, defende que a Câmara dos Deputados deve ser diligente na regulação das plataformas digitais, uma vez que o Brasil é um dos países em que os usuários passam mais tempo na internet:
“Acho que precisamos entender o pano de fundo dessa decisão da Meta para compreender qual é o posicionamento do nosso Legislativo em relação às medidas que deveriam beneficiar os usuários dessas plataformas. É importante lembrar que o Brasil tem uma população que, majoritariamente, utiliza os produtos desenvolvidos pela Meta de forma consistente e diária. Essa decisão tem uma natureza política, muito influenciada pelo contexto das eleições presidenciais nos Estados Unidos, marcadas por uma forte tendência conservadora e baseadas na ideia de tutela da liberdade de expressão sem qualquer tipo de restrição. Além disso, há um claro posicionamento político adotado por um dirigente da plataforma.”
Se os bilhões de usuários das redes sociais terão que cuidar de averiguar o conteúdo falso que circula na rede, isso pode gerar maior liberdade, mas também aumenta a responsabilidade sobre esses próprios usuários, não?
Existe um bônus em ter uma internet que não é moderada adequadamente pelas próprias plataformas, e o presidente da Meta deixou bem claro que, além da questão de princípios sobre liberdade de expressão, o objetivo é evitar o ímpeto dos estados em regular essas plataformas, ímpeto que vem de países da comunidade europeia e do Brasil, entre outros.
O efeito colateral dessa liberdade irrestrita é que os danos cometidos pelos crimes digitais são irreparáveis e podem afetar a todos, especialmente a democracia, como afirma Caitlin Mulholland.
“A principal preocupação com a falta de moderação é, justamente, o impacto na política e no exercício democrático. Essa é uma grande oportunidade para o Congresso retomar o debate sobre transparência, responsabilidade e liberdade, que são os pilares do PL das Fake News. Esse debate é fundamental e o Brasil precisa se posicionar não apenas por uma questão de soberania digital, mas também para garantir a tutela dos interesses dos usuários das plataformas e do próprio Estado brasileiro. Afinal, a ausência de moderação pode representar grandes perdas para o país.”
Então, a agenda da Câmara deverá estar ocupada pela moderação de conteúdo na internet e liberdade de expressão, e onde entra agora a Inteligência Artificial?
Na verdade, é uma continuidade da agenda que já estávamos acompanhando em 2024. Tivemos avanços, como a aprovação da Lei 15.100/2025, que proíbe o uso de celulares nas escolas, mas ainda há controvérsias sobre sua implementação. Além disso, o Projeto de Lei 2338/2023, que veio do Senado, apesar de louvável, recebeu críticas por sua abordagem principiológica, deixando de lado questões técnicas essenciais. O quanto o marco regulatório da IA irá se ajustar às leis brasileiras é outra grande questão.
A professora Caitlin ressalta que a regulação da IA precisa abordar com precisão os riscos oferecidos pelas plataformas digitais, especialmente para crianças, além de exigir maior transparência nos algoritmos e responsabilidades claras das empresas.
“O projeto de lei traz uma série de medidas autopropostas, garantidas por uma governança – mas uma governança que é privada. É como se houvesse um projeto de lei que dissesse o seguinte: para facilitar a compreensão, os desenvolvedores devem se responsabilizar por medidas de governança, que são estabelecidas em lei e implementadas por diversos desenvolvedores. A questão é: quem vai regular e verificar se essas práticas estão sendo atendidas? Quem garantirá que essas medidas são explicáveis? Esse debate na Câmara é fundamental. Além disso, quem vai determinar se o sistema é transparente o suficiente para ser compreendido pelas pessoas? Há ainda o papel da agência reguladora, que é uma questão delicada, pois envolve aspectos políticos. Acredito que a Câmara deveria estar atenta a esses debates, ouvindo a sociedade e especialistas para identificar eventuais lacunas na legislação que possam ser aprimoradas.”
Com o avanço da empresa chinesa DeepSeek no mercado de modelos de linguagem (LLMs), houve um impacto significativo, afetando a valorização de grandes empresas norte-americanas que dominam este mercado. Isso pode indicar que as leis se tornarão obsoletas rapidamente diante da velocidade do mercado?
Esse é um risco constante, num setor dinâmico como a internet. E por isso que regras específicas mínimas sao importantes, para proteger as pessoas do mal uso da tecnologia. A necessidade de regras mínimas se torna ainda mais evidente diante do risco que certas tecnologias representam, como carros autônomos e algoritmos que influenciam contratações e concessões de serviços públicos. Decisões erradas nesses sistemas podem gerar impactos irreparáveis.
Como vimos, prever a agenda de telecomunicações de 2025 é um exercício de futurologia. Muitas decisões são políticas, influenciadas por disputas geopolíticas, especialmente entre Estados Unidos e China. A atualização do Marco Civil da Internet é apenas uma questão de tempo, e muitos consideram que a falta de ação do Parlamento brasileiro levou a esse cenário de incertezas. Agora, sob novo comando, há que se ver qual será a sua agenda de tecnologia nesta Casa e qual o papel que a Anatel, o órgão regulador, terá neste ecossistema, assim como a Secretaria de Políticas Digitais da Casa Civil da Presidência da República. Porém, essa agenda torna-se transversal, cabendo a todos os partidos e à sociedade civil acompanhar e influenciar os rumos dessa discussão, embora, até o momento, quem está dando o tom de onde a banda toca é o Supremo Tribunal Federal.
Você ainda pode enviar a sua sugestão de tema, crítica ou sugestão para o WhatsApp da Rádio Câmara (61) 99978-9080 ou para o e-mail papodefuturo@camara.leg.br
Comentário – Beth Veloso
Apresentação – Cláudio Ferreira