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Papo de Futuro desta terça dia 18/03 as 06h30min destaca "Mulheres na Ciência – Desafios e Avanços na Era Digital".
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Publicado em 16/03/2025 por Administrador

Embora o Brasil esteja entre os países com maior presença feminina na pesquisa acadêmica, as mulheres ainda enfrentam barreiras significativas para alcançar posições de liderança e reconhecimento. Por que isso acontece? Como os estereótipos e as estruturas da sociedade afastam as mulheres da ciência e da tecnologia? E, mais importante, como podemos mudar esse cenário?

Trouxemos esse tema para o destaque porque estamos no mês da Mulher.

O Papo de Futuro de hoje aborda um tema que, para mim, é muito especial: a participação das mulheres na ciência. Como alguém que acaba de concluir um doutorado, posso dizer por experiência própria o quanto essa jornada é desafiadora. Sei como a vida nos puxa para longe do conhecimento, como não somos incentivadas a ousar e a pensar fora da caixa.

Desde pequenas, somos treinadas para brincar com bonecas, enquanto os meninos são incentivados a explorar, a construir, a experimentar. O problema é que essa cultura se reflete em nossa trajetória profissional. Por que há tão poucas mulheres nas ciências exatas? Por que o brilho intelectual ainda é mais associado aos homens?

O corte de gênero em favor do masculino está na própria história da ciência. Pense nos grandes cientistas celebrados na história: Albert Einstein, Isaac Newton, Charles Darwin, Carl Sagan… todos homens. Mas onde estão as mulheres? Muitas foram invisibilizadas, seus trabalhos desconsiderados ou atribuídos a colegas homens.

E essa desigualdade não se mantém apenas por questões históricas, mas por fatores estruturais que continuam atuando no presente.

Relatórios recentes mostram um avanço na participação feminina na ciência, mas a desigualdade persiste. O Relatório da UNESCO, realizado em parceria com o British Council, aponta que, mesmo com um crescimento da presença das mulheres nas áreas de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), a equação ainda é desigual.

Os obstáculos vão desde influências familiares até um fenômeno conhecido como segregação ocupacional, que determina que certas áreas do conhecimento são tradicionalmente “masculinas”. Na prática, isso significa que a presença feminina na ciência cresce, mas as mulheres continuam afastadas dos cargos de maior prestígio e tomada de decisão.

Além disso, o preconceito de gênero é reforçado desde a infância. Brinquedos, filmes, livros e até jogos tecnológicos seguem uma lógica que define papéis de gênero bem estabelecidos (1). Meninas são incentivadas ao cuidado, meninos à exploração e ao desafio intelectual.

Roberta Peixoto, autora da tese Pós-Graduação: Impactos, Desafios e Oportunidades sob a Luz da Equidade de Gênero, que investigou a desigualdade de oportunidades entre homens e mulheres na ciência (2), explica o que ela denomina de efeito tesoura:

“O problema é que, quanto mais se avança na carreira, menor é o percentual de mulheres. É o que a gente chama de efeito tesoura nos estudos de gênero. No início da carreira científica, as mulheres estão em número igual ou até maior do que os homens. Mas, à medida que a carreira avança e se ganha poder e influência, a presença das mulheres vai diminuindo. Quando eu fiz meu estudo, identificamos que nos principais postos da ciência no Brasil – como a Academia de Ciências e o próprio Ministério da Ciência e Tecnologia – nunca havia tido uma mulher ocupando o cargo mais alto. Até que a Helena Nader assumiu a Academia Brasileira de Ciências e a Luciana Santos tornou-se Ministra da Ciência e Tecnologia, as mulheres estavam sempre relegadas a papéis técnicos, mas não de liderança.”

A ciência é apenas um reflexo de um quadro maior. Na sociedade, os homens são treinados para pensar e liderar, enquanto as mulheres são treinadas para o fazer e o suporte. Essas barreiras têm sido desconstruídas ao longo do tempo, mas a desigualdade estrutural ainda persiste.

Por exemplo, no Brasil, a participação feminina na ciência cresceu 29% nos últimos 20 anos (3). Hoje, somos o terceiro país com maior participação feminina na produção científica, atrás apenas de Argentina e Portugal. Mas essa presença numérica não se traduz em poder e influência.

Pesquisas publicadas pelo Open Edition  Journals (4), um portal de informações acadêmicas, mostram que as mulheres são minoria entre os pesquisadores que recebem bolsas de produtividade do CNPq – e essa diferença é ainda mais gritante nos níveis mais altos de financiamento e em áreas que concentram mais recursos.

Segundo a Dra. Roberta Peixoto, há diversos motivos que afastam as mulheres dos postos-chave na ciência, e as respostas revelam o peso da cultura desde a infância.

“Existem muitas formas de tirar uma mulher do topo da carreira científica, e uma das principais é dizer que ela simplesmente ‘não é cientista’. Estudos nos EUA mostram que, quando crianças de seis ou sete anos são convidadas a desenhar alguém ‘brilhante’ – uma pessoa genial –, 80% delas desenham um homem parecido com Einstein (5). Isso é significativo porque as crianças projetam o que veem no mundo e internalizam isso como verdade absoluta. Assim, desde pequenas, as meninas passam a acreditar que a genialidade não é para elas.”

Isso nos leva à ideia de que o trabalho da mulher sempre é associado ao cuidado. A relação entre cuidado e carreira é direta. As mulheres acumulam mais funções e menos tempo para se dedicar à pesquisa e à produção acadêmica. Os processos seletivos não consideram, por exemplo, o impacto da licença-maternidade na carreira de uma cientista.

Estudos mostram que pesquisadoras podem levar até 4 anos para retomar sua produtividade acadêmica após terem filhos, e isso afeta diretamente a possibilidade de ascensão na carreira.

E o viés de gênero não está apenas na carga de trabalho. Também se manifesta na forma como as mulheres são avaliadas no mercado científico, para fins de promoção na carreira, diz Roberta Peixoto:

“Houve um estudo nos Estados Unidos em que enviaram dois currículos idênticos para uma vaga de pesquisador visitante. A única diferença era o nome: um assinado por uma mulher e outro por um homem chamado John. O resultado? O currículo do John foi significativamente mais bem avaliado. Ele era considerado muito mais qualificado e ‘contratável’. Esse é o viés implícito. Quando a sociedade acredita que mulheres não devem ocupar certos postos, essa mentalidade se reflete nas decisões de contratação e promoção.”

E quais são as consequências diretas da falta de equidade de gênero?

Basicamente, perde o Brasil, perde a economia e perde a ciência. A exclusão feminina nos campos de pesquisa limita a inovação e reduz a diversidade de pensamento, comprometendo a qualidade da ciência, Roberta Peixoto:

“A falta de equidade faz com que a ciência esteja sempre aquém do seu potencial. Estudos mostram que conselhos e equipes diversas são mais inovadores e eficazes. No mundo corporativo, empresas com maior presença feminina na liderança são mais lucrativas. Se na ciência o objetivo não é o lucro, mas o avanço do conhecimento, por que não garantir que a diversidade contribua para melhores descobertas?”

E no mundo da economia digital? Como está a presença feminina antes de encerrarmos o programa?

Infelizmente, a tecnologia e a IA também reproduzem essas desigualdades. As mulheres ainda são minoria na tecnologia e na inteligência artificial. O problema se agrava porque os algoritmos que moldam nosso mundo digital são desenvolvidos, em grande parte, por homens. Isso significa que os vieses da sociedade também são refletidos nas máquinas.

O livro Algorithms of Oppression, de Safiya Noble (6), mostra como os mecanismos de busca reforçam estereótipos negativos sobre mulheres e minorias. E se pensarmos na IA e no machine learning, a situação é ainda mais preocupante: se os dados usados para treinar a IA são enviesados, os sistemas reproduzem e amplificam esse preconceito.

Mas isso é papo para aprofundarmos no próximo programa.

Você ainda pode enviar a sua sugestão de tema, crítica ou sugestão para o WhatsApp da Rádio Câmara (61) 99978-9080 ou para o e-mail papodefuturo@camara.leg.br.

Comentário – Beth Veloso
Apresentação – Cláudio Ferreira

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